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domingo, 14 de março de 2010

Sons e ressonâncias ao amanhecer.



Sons e ressonâncias ao amanhecer

Luiz Ramos da Silva Filho©

O despertador tocou quando ainda era noite. Pouco depois, os primeiros raios de sol surgiram entre as nuvens no horizonte. Doze horas sem nenhum alimento e o estômago dava sinais de falta de forças para se locomover. Apesar de tudo, conseguiu embarcar para o seu objetivo.

Contornou aquelas águas claras e tóxicas da lagoa e atravessou os túneis que dão acesso à região surreal onde convivem os extremos da pirâmide social local. No alto dos morros, os que se localizam em baixo e, no baixo, os que se localizam no alto da pirâmide social. Pela encosta, o outro lado de outro túnel descortina uma região povoada e cujo ambiente já está deteriorado pela multiplicação de indivíduos da espécie mais predadora e nociva de todos os ecossistemas conhecidos.

A sensação de fome e a ansiedade pelo que ocorrerá em breve atormentam e excitam os sentidos. Sem possibilidade de estacionar no primeiro pátio, a alternativa é seguir adiante, onde há vagas. Um casal, que aguarda ser ascendido também, beija-se como se fossem os últimos românticos do mundo. E todos os que aguardavam a ascensão chegam a seus destinos.

O destino 303, com seus vitrais translúcidos, demonstra que as atividades já foram iniciadas. Um monitor, uma atendente, um paciente, uma lista de pacientes e seus respectivos procedimentos. O terceiro na lista, como segundo a chegar, aguarda. E a fome e a ansiedade aumentam.

O terceiro na lista é o segundo a ser levado para a área de pesquisas. Sem camisa, sem sapatos, com uma vestimenta de linho branco e com um cateter introduzido em veia do braço esquerdo, o terceiro na lista acompanha com o olhar a enfermeira que se afasta, enquanto o técnico especialista se aproxima e o encaminha para o grande laboratório.

Um local espaçoso em que predomina o grande equipamento que se destaca pelo estreito tubo que literalmente engole as pessoas e as digere lentamente. São minutos, quase hora interminável. Uma sinfonia de sons metálicos, compassados, e descontínuos às vezes. Em seguida, sons agudos e ritmados, intercalados por pancadas secas e espaçadas. Um longo silêncio é interrompido por nova onda de sons. Uma sensação de calor invade o corpo através do braço esquerdo. Os sons metálicos, e às vezes desconexos, recomeçam. Como em um terremoto, ondas de sons replicam e invadem a cabeça do indivíduo, imobilizado, que já perdeu a noção do tempo em que parece estar sendo digerido por aquela máquina.

Subitamente, os sons são interrompidos e a constatação é de que não houve uma digestão do individuo pela máquina, mas, sim, uma aplicação de ressonância magnética. E, restaram uma lagoa poluída, uma pirâmide social surreal e túneis que levam a algum lugar ou a lugar nenhum. E, restou também a constatação de que o amor ainda existe e que não há sons que sempre durem, nem mal que nunca se acabe.

Foto: ramosforest©

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